Scotland, ye bonnie land I










Há algo de muito especial na Escócia. Há qualquer coisa ali que me faz suster a respiração e encher os pulmões de ar ao mesmo tempo. Algo ancestral, para lá de mim mesma, que me conecta com aquela terra, aquelas montanhas, aquele mar, aquelas cores. Reconheço nas suas gentes traços físicos e de personalidade que me remetem para lugares de afecto muito familiares. 

A primeira vez que pisei terras escocesas foi há dois anos. Atravessei a Inglaterra de comboio e cheguei a Edimburgo no início de uma tarde fria de Março. Esse primeiro encontro com algo bem fundo dentro de mim ficará, no entanto, para outro dia. Hoje vou falar da viagem que selou definitivamente o meu amor por aquelas terras altas. 




Apanhámos um comboio nocturno no centro de Londres numa sexta-feira gelada e ventosa e acordámos em Glasgow, que nos recebeu com um sol tímido, mas que nos iria acompanhar durante quase toda a nossa estadia - esta viagem mágica a fazer lembrar outros tempos, veio comprovar o meu amor e fascínio por viagens de comboio. Aquela noite passada no Caledonian Sleeper, embalada pelo som metálico dos carris, confortavelmente instalada na nossa carruagem com beliche, foi o início  perfeito para a nossa aventura pelas Highlands. 

Acordámos ensonadas e entusiasmadas, dando graças pelo café e shortbread biscuits oferecidos a bordo, em jeito de pequeno-almoço, que tomámos já na plataforma, enquanto nos acostumávamos à ideia de que estávamos mesmo ali, que tudo aquilo não era apenas um sonho.

Depois de levantado o carro alugado, provavelmente a única forma de se conseguir tirar partido de tudo o que aquelas terras têm para oferecer, partimos para o desconhecido. O que se seguiu, foi inesperado, inevitável e arrebatador: um caso de amor profundo, daqueles que nos rouba para sempre uma boa parte da alma.

Loch Lomond










A primeira paragem foi nas margens do Loch Lomond. A viagem até lá já deixava antecipar a beleza serena e impactante que nos esperava - vales e planícies de cores ocres e vários tons de verde aos pés de montes e montanhas que parecem erguer-se aos céus em preces antigas. Rebanhos de ovelhas e cães pastores ponteiam a paisagem e casas de pedra, por vezes caiadas de branco, e telhados escuros vão colorindo o horizonte à nossa passagem. 
Chegadas ao lago, o ar gelado e o vento implacável obrigou a uma dose extra de café bem quente para nos recompormos um pouco. Começamos por um piquenique sentadas a umas mesas de pedra com vista para as águas azul petróleo e os muitos passeantes que, ignorando as condições atmosféricas, aproveitavam o melhor que podiam o lago e as suas margens.

A luz natural na Escócia tem qualquer coisa de muito especial, sobretudo nas Highlands. Uma claridade particular que nos faz ver tudo de uma forma mais nítida e contrastada. Os meus olhos azuis e altamente sensíveis, parecem ajustar-se quase que por magia àquela luz, numa simbiose perfeita entre todos os elementos. Tudo ali adquire uma dimensão quase palpável, tridimensional, como se fosse possível sentir o relevo do ar ou beber o vento - ao mesmo tempo, diluímo-nos na paisagem, como se a mesma se nos colasse à pela. 








Nas margens do Loch Lomond (Lake of the Elms) enormes e ancestrais olmos dão, não apenas o nome ao lago, mas também abrigo a uma fauna e flora muito diversificadas. Apetece ficar, sentar, observar, passear, mesmo quando começamos a sentir o nosso corpo a gelar aos poucos - o nosso thermos de café veio a comprovar-se indispensável e imprescindível durante toda a viagem, assim como as várias paragens para comer alguma coisa. O frio e ar daquelas montanhas dão uma fome dos diabos. 












Ali, embrenhada naquela Natureza de uma beleza tranquila, de exuberância equilibrada, onde a densidade do ar me transporta para um lugar muito reconfortante, bem no fundo de mim mesma, sinto reminiscências em cada árvore, reencontros em cada pedra, dèja vu em cada sombra. Como se tudo o resto deixasse subitamente de ter importância e eu estivesse ali, presente, inteira, e de olhos marejados o tempo todo. 












Junto ao lago, a pequena vila de Luss convida a um vagaroso passeio pelas suas ruas pitorescas. Apesar da presença de alguns turistas, a vida parece continuar numa normalidade acolhedora. É possível andar longos minutos sem ver vivalma, apenas perturbando a sesta de alguns cães ou despertando um olhar curioso numa ou outra ovelha a pastar aqui e ali. 
Há vários restaurantes afamados na vila que servem sobretudo peixe pescado no lago diariamente: truta, linguado, lampreia, perca, entre outros. Nós, desta vez, resolvemos deixar as refeições de faca e garfo para outra altura, de forma a pouparmos tempo e podermos aproveitar a Natureza circundante o mais possível - mas havemos de voltar para um roteiro gastronómico, assim que possível.  








Nessa primeira noite nas terras altas, dormimos num simpático b&b já a caminho de Glencoe. Um scottish breakfast preparado na hora e um café duplo com vista para o jardim, foram o início perfeito para a nossa próxima aventura. O coração já estava completamente arrebatado; a alma, essa, deixaríamos para sempre pela estrada fora, ao longo dos próximos dias.






(continua...)




Sem comentários:

Enviar um comentário